quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Criança 44

Na contra capa do livro está escrito: "em seu romance de estréia Tom Rob Smith leva o leitor à opressora Rússia de Stalin, marcada pela mão forte do Estado. Quando o corpo de um menino é encontrado sobre os trilhos de uma ferrovia, o agente Liev Demidov se surpreende ao saber que a família do garoto está convencida de que houve um assassinato. Os superiores do oficial lhe dão ordens de ignorar o assunto, e ele é obrigado a obedecer. Mas algo lhe diz que as coisas não são tão simples assim. Agora, ele está determinado a encontrar a verdade por trás do terrível crime". Mas não se enganem: Criança 44 é um livro que traz muito mais do que está escrito nessa simples e pequena sinopse.
Não caiam no mesmo erro que eu cometi: demorar tanto tempo para ler esse livro cruel e sensível, parece antagônico e impossível, mas não é.

Criança 44, de Tom Rob Smith conta a história de Liev Demidov, um agente da MGB (qualquer semelhança com a KGB é mera coincidência) nos tempos do pós-guerra e Guerra Fria, onde cada pessoa era um espião em potencial que poderia colocar o Estado em alerta, pronto para fazer sua prisão, existindo ou não provas de sua culpa. O que se falava, o que se olhava, como se falava, como se olhava, como andavam... tudo era observado e qualquer movimento diferente do normal era considerado uma possível traição ao Estado. E uma suspeita era o bastante para uma pessoa ser enviada para campos de trabalhos forçados ou morta. Não havia necessidade de provas, ninguém tinha o benefício da dúvida.

Nesse ambiente, Liev era um agente que acreditava verdadeiramente no Estado. As prisões injustas que efetuava, as torturas, as investigações, nada disso era feito por crueldade, mas sim porque ele acreditava que estava defendendo o Estado, garantindo a permanência do poder que representava sua ideologia. Depois de anos, Liev dispensa o benefício da dúvida para um veterinário acusado de espionagem. Isso resulta na fuga do acusado. Liev começa se sentir ameaçado por seus próprios colegas: não o respeitam mais, não acatam suas ordens e há um dos subordinados que deseja seu posto. Para acabar com essa situação, Liev se empenha ao máximo para capturar o fugitivo. Consegue.

Antes de capturar o acusado, Liev é designado para um trabalho que considera mais baixo e acredita que é um castigo por deixar o acusado fugir. Um menino é encontrado morto na beira da linha de um trem. Os pais acham que ele foi assassinado, Liev é escalado para mostrar aos pais que isso não é verdade, pois a sociedade daquele tempo não poderia ter assassinatos, isso mancharia a imagem do sistema; como aquele Estado que se dizia perfeito possuia pessoas que eram capazer de cometer frios assassinatos? Não, para qualquer efeito, aquele era um Estado perfeito e produzia pessoas perfeitas. O contrário serviria de argumentos para a sociedade Ocidental criticar a União Soviética e seu sistema.

Liev cumpri suas duas missões: captura o fugitivo e cala a família do menino morto. Mas isso é o marco do começo do declínio de sua vida como agente da MGB. Liev começa a se questionar da veracidade do Estado, das consequências de seus atos como agente da MGB. Além disso, descobre que outras crianças foram mortas da mesma forma que o menino de quem precisou calar a família: todos nus, com o estômago aberto, com lascas de árvore e um barbante amarrado no tornolezo. Mas o que levaria uma pessoa a matar por matar? Isso não tinha sentido. Ele matava, mas matava por uma razão, por um motivo, não matava pessoas aleatoriamente. Os assassinatos que ele cometia eram justificados e aceitos pelo Estado. Não se conhecia nenhum caso assim, principalmente de muitas mortes realizadas do mesmo jeito. Mas Liev precisava investigar, achava que aquilo poderia ser obra de uma única pessoa e não poderia deixar o Estado inventar culpados convenientes (um doente mental, um subversivo, um espião - todos suspeitos que eram usados para que o Estado se livrasse do crime) e arquivar o caso. Dessa vez, ele queria a verdade. 

Além de fazer uma investigação em segredo, Liev tem que encarar a falta de método da época: como investigar algo que simplesmente não existia oficialmente? Não havia crimes na União Soviética pois isso seria uma prova de ineficácia do comunismo. O Estado preferia mascarar a verdade a tomar alguma providência para acabar com os crimes.

(...) estava confuso porque os crimes aparentemente não tinham motivo. Não que o assassinato de crianças fosse inimaginável. Mas qual a vantagem? Qual a intenção? Não havia nenhuma necessidade oficial de matar aquelas crianças, nenhuma idéia de servir a um bem maior, nenhum lucro material. Era isso que ele não entendia.
Em nenhum momento, o livro usa a palavra comunismo, mas sabemos qual o Estado do qual tanto se fala. A União Soviética ajudou a ganhar a Segunda Guerra Mundial, mas não era a vítima: sua população sofreu com os inimigos de guerra e depois sofreu com o Estado. Os soldados alemães destruiram muitas aldeias, mas depois, os soldados soviéticos aproveitaram benefícios por serem heróis, como violentar mulheres e destruir famílias. O livro possui um contexto histórico impecável, detalhando minusciosamente o tipo de vida da época, porém é um história contada a partir do ponto de vista interno do personagem principal. Tudo a sua volta passa pelo crivo de suas perspectivas, mas mesmo assim não há a perda da objetividade. Em determinados momentos, a narrativa muda de personagens, deixando o leitor ciente dos sentimentos e percepções de outros personagens importantes à trama.

A relação de Liev com sua esposa é totalmente conflituosa e marcada pelo contexto social em que vivem. Naquela época, não havia como fugir do Estado, absolutamente tudo tinha a ver com política, todos vivam assustados com o que poderia acontecer consigo. E a relação de Liev com Raissa é um produto desse tempo.
Liev era um assassino. Sim, não há outro modo de chamar um agente da MGB. Em nenhum momento do livro é chamado de tal, mas o é. Vemos que nada é categórico, inflexível. Liev fazia o que fazia por acreditar que era o certo, quando percebeu que poderia estar enganado, lutou para, dentro daquele Estado sufocante, fazer algo que realmente fosse justo e bom.
E ao ver o marido de ombros caídos e rosto desanimado, ela conclui que Liev nunca tinha feito nada em que não acreditasse. Era um homem sem nada de cínico ou calculado. (...) Mesmo naquele momento, mesmo depois de tudo o que aconteceu, ele ainda tinha esperança. Ainda queria acreditar em alguma coisa.
Eu simpatizei com o personagem desde o primeiro momento e chego a ficar assustada em como isso é possível. Afinal, de um jeito ou de outro, Liev prejudicou muitas pessoas exercendo sua profissão. Até que ponto isso é justificável? Até que ponto Liev é apenas uma vítima do tempo em que vivia? Definitivamente, eu não tenho essa resposta. Pelo contrário, essas perguntas só me trazem mais dúvidas.

O livro é maravilhoso e se desenrola para um final surpreendente. Apesar do texto ter ficado grande, acreditem, não tem nada das histórias paralelas do livro e não desvenda praticamente nada da história principal. Recomento a leitura para todos. É um livro histórico muito bem ambientado, com uma linguagem acessível sem ser simplória ou descuidada. A narrativa é cheia de ação e a história com muitas reviravoltas e suspense.

Tom Rob Smith é filho de uma sueca e um inglês, nasceu em 1979, em Londres, onde mora até hoje. Criança 44 é seu romance de estréia.

Fatos:
- é baseado na história do Estripador de Rostov, Andrei Chikatilo, o primeiro serial killer da União Soviétiva que matou mais de 52 crianças;
- será adaptado para o cinema por Ridley Scoot;
- faz parte de uma trilogia. O segundo livro foi publicado com o nome de O discurso secreto. De acordo com o autor, O novo mundo poderia ser o título do próximo livro, mas nada está definido.

-> Skoob
-> Blog do autor
-> Onde comprar: Saraiva - Estante virtual (Os preços para o livro estão realmente muito bons. Vale muito a pena).
SMITH, Tom Rob. Criança 44. Rio de Janeiro: Record, 2008. 431 p.




5 comentários:

  1. Ah se é tudo isso q falou e ainda por menos de 18 reais.. sem dúvida vale muito a pena...

    Gosto do tipo de história.. mas as x no livro posso achar cansativo.. ou apenas achar q é cansativo e acabar demorando a ler......

    vou deixar separado aqui.. para qdo puder comprar algo fora da minha antiga lista.
    Obrigada pelas sempres maravilhosas dicas
    bjs

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  2. Oie Muito legal o seu post! Vamos mencioná-lo, com os devidos créditos, no blog da coleção negra ok? beijos!!!

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  3. Depois desta resenha eu me pergunto: Ai meu Deus, pq não dei continuidade a leitura?!
    Enfim, tenho a versão da Bestbolso deste livro, até li os dois primeiros capítulos e deixei-o de lado. Eu devia estar na fase leitura "light" por isso não prossegui com este. Mas vou tornar a lê-lo. Em breve.
    Bjo.

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  4. Eu gostei bastante da sinopse do livro. Já adicionei no skoob para não esquecer de comprar.

    Valeu pela dica!

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  5. Ei Dri!
    Criança 44 tb está me esperando na minha estante.
    Me empolguei com a sua resenha, logo, logo vou lê-lo. Adoro finais surpreendentes!

    Só tenho que dar um tempo pq acabei de ler A chave de Sarah e já tive muito de história essa semana (rs).

    Bjins!

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